quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

PE CORREIA DA CUNHA, O ENGENHEIRO

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Lisboa cultural da boémia e coração da vida nocturna…




Em 1974 era instalado no nosso País o primeiro acelerador de partículas (1), num grande centro hospitalar da capital, cujo Director era um prestigiado paroquiano de São Vicente de Fora e com quem o Padre Correia da Cunha mantinha uma relação de amizade muito próxima.

Aquando da sua instalação, a empresa multinacional produtora do equipamento, de origem francesa, fez deslocar ao nosso País uma conceituada equipa de técnicos e paralelamente o seu Presidente (PDG) e Vice-Presidente em visita de cortesia.

No decurso do almoço de representação comercial, o Presidente da multinacional manifestou muito interesse em assistir a um espectáculo de fado nesta nossa encantadora cidade de Lisboa. O anfitrião, pouco experimentado nestas fainas, lembrou-se logo do seu bom e querido amigo Padre Correia da Cunha.

O Padre Correia da Cunha não recusou o simpático convite e lá foram os quatro companheiros para o velho Bairro Alto à descoberta do Faia, casa recomendada pelo Reverendo. Convidado de Carlos do Carmo, seu amigo, o Padre Correia da Cunha era um honrado frequentador deste espaço.




Estamos em 1974, no mês de Maio. Quando chegaram à Casa de Fados, a mesma encontrava-se encerrada. Neste período (PREC), os habituais frequentadores deste tipo de espectáculo diminuíram consideravelmente.
Bateram à porta e lá veio um empregado que confirmava o encerramento do estabelecimento, a que o Prof. Dr. replicou:

- Vieram estes meus dois amigos de França para ouvirem o fado no Faia e não há espectáculo!

Perante esta reivindicação, o empregado pediu para esperarem um pouco, que ia ver o que se podia fazer. Passados uns momentos regressou com a informação que se iriam abrir as portas da casa.

Entraram para a sala os convidados, enquanto o Pe. Correia da Cunha foi interpelado pelo porteiro, dizendo que não podia entrar sem gravata, ao que ele respondeu que estava correctamente indumentado com o seu cabeção (colarinho) de clérigo.

- Peço imensa desculpa, mas são ordens da gerência, só se pode entrar com gravata.

Interrogou o Prof. Dr.:

- E agora?

- Não há problema, tenho aqui um armário com gravatas, é só o Sr. escolher.

Perante uma dezena de gravatas, o Pe. Correia da Cunha lá elegeu a que lhe parecia mais sóbria.

Mas de imediato surgiu logo outro problema, o Pe. Correia da Cunha não sabia fazer o clássico nó de gravata. Valeu-lhe o Prof. Dr. que o executou com extraordinária perfeição, colocando a gravata sobre o seu cabeção.

Já comodamente instalados na sala, decorada com belíssimos painéis de azulejos e pratos antigos, deu-se início a uma noite mágica com um substancial jantar ao som de grandes talentos da arte, onde se destacava a voz de Lucília do Carmo, tida como uma das melhores vozes do fado clássico. O fado Maria Madalena emocionou profundamente os franceses, pela força, corpo, alma e voz inesquecível de Lucília do Carmo.

Tenho o prazer de transcrever parte dessa letra que é uma riquíssima relíquia:

Desse amor que nos encanta
Até Cristo padeceu
Para poder tornar santa
Quem por amor se perdeu

Jesus só nos quis mostrar
Que o amor não se condena
Por isso quem sabe amar
Não chore, não tenha pena!

A Virgem Nossa Senhora
Quando o amor conheceu
Fez da maior pecadora
Uma das santas do céu

E de tanta que pecou,
Da maior á mais pequena
E aquela que mais amou
Foi Maria Madalena

Há a referir que a sala se foi compondo com grupos de turistas que também se sentiram atraídos por este modo de cantar que tão bem espelha a nossa nacionalidade. O espírito do povo português: a crença no destino como algo que nos subjuga e ao qual não podemos escapar; o domínio da alma e do coração sobre a razão que levam a actos de paixão e desespero e que traduzem naquele lamento tão triste mas tão belo.

As conversas em francês (Padre Correia da Cunha falava correctamente francês) foram muito agradáveis e prolongaram-se até às 3 horas da madrugada num fraterno ambiente de encantamento de boa e pura amizade.

Uma das artes abordada, para além do fado, foi a da riquíssima azulejaria portuguesa que Padre Correia da Cunha também tanto gostava e conhecia.




Independente da hora, o Padre Correia da Cunha prontificou-se a proporcionar uma visita ao maior Painel de Azulejos, do Séc. XVIII, existente em São Vicente de Fora, que representa a entrada solene em Roma da embaixada enviada em 1513, pelo Rei D. Manuel I ao Papa Leão X, chefiada por Tristão da Cunha. D. Manuel oferece ao Papa uma onça muito mansa e um elefante, aquele que foi o primeiro a aparecer na Europa.

A mágica noite prolongou-se até às 5 horas da manhã, hora a que deixaram os seus convidados franceses no Hotel Ritz em Lisboa.

No dia seguinte, domingo, com muita surpresa sua, o Presidente do Grupo Multinacional, católico praticante, estava presente na MISSA DOMINICAL das 10 horas da manhã celebrada pelo Reverendo Padre Correia da Cunha. Ficaram grandes amigos e passaram a trocar muita correspondência, visando prolongar aquela admiração e simpatia que granjearam naquela inesquecível noite.



Em 1975, quando Portugal atravessava um período revolucionário que podia levar à implantação de uma nova ditadura, desta vez de esquerda segundo as informações que os principais jornais franceses divulgavam, o Presidente dessa prestigiada empresa de engenharia de ponta enviou ao Prof. Dr. uma missiva e creio que a Padre Correia da Cunha, oferecendo-lhes altos cargos na empresa em França e residência num dos seus apartamentos em Paris (exílio politico).

Conclusão:

Perderíamos um bom pastor e um bom amigo, mas ganharíamos um excelente engenheiro em terras de França?!



(1) Os aceleradores de partículas são importantes no campo da radioterapia para o tratamento do cancro.
































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