terça-feira, 1 de março de 2011

PE. CORREIA DA CUNHA E O YÉ YÉ

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“É PRECISO MUITA COMPREENSÃO  E COMPAIXÃO.”



Hoje, quero trazer à memória aquela noite mágica de Julho, do ano de 1967, na Paróquia de São Vicente de Fora. Naquele dia, o seu vizinho Tejo ainda apresentava um admirável poente rubro.


Era uma noite de sábado cálida, saborosa, em que aos jovens lhes apetecia cantar e dançar ao ritmo do seu tempo.


Ao redor da esplendorosa Igreja de São Vicente de Fora, viam-se numerosos grupos de jovens e alguns com instrumentos musicais modernos: com natural predomínio para a guitarra eléctrica. Os transeuntes e observadores mais desprevenidos gaguejavam de espanto – todos estes jovens se dirigiam para a igreja. Alguma coisa de invulgar e absolutamente estranha naquele local iria acontecer.

Muitas centenas de pessoas acorriam a esta Para-Liturgia com jovens. Eram estes naturalmente que predominavam e, havia nos seus rostos um enorme entusiasmo visível. Porém, também os mais idosos estavam representados com largueza; desde as velhinhas até aos religiosos (incluindo os Padres Beneditinos da Igreja da Graça) todos estavam presentes. Homens feitos, alguns marinheiros, soldados, estudantes de capa e batina, assim como gente bem conhecida, como as actrizes Amélia Rey Colaço e Henriette Morineau, e a poetiza Shopia de Mello Breyner Anderson, entre outras personalidades, também para lá acudiam.



No transepto havia um pequeno altar, sóbrio e liso. Do lado do Evangelho, um conjunto de música moderna – três violas eléctricas, um órgão, uma bateria, um acordeão e, ao fundo, uma harpa.


Padre Correia da Cunha para este grandioso evento produziu um magnífico guião, com os cânticos que se iam entoar ao som e ao ritmo desse tempo, que com tanto entusiasmo líamos e que todos os presentes tinham nas mãos.

Padre Correia da Cunha iniciou esta Liturgia, dirigindo-se a todos os participantes com as seguintes palavras:





“A liturgia cristã foi, nas suas origens e durante séculos, a expressão religiosa espontânea do povo de Deus. Deixou de o ser para se tornar um protocolo complicado, um rito esquemático, uma obrigação, um preceito. Deu-se então um divórcio entre a vida de todos os dias e a oração.
O Concílio Vaticano II veio renovar também a liturgia. Em vez do latim, a língua de cada povo. E mais; uma liturgia sem rigidez, flexível, lançada na aventura da vida, procurando o sol, inserindo-se na sua época, em busca do seu ser verdadeiro.”

Houve então uma leitura das Sagradas Escrituras, seguidas de comentários. Houve belos cânticos. Procurou-se que todos participassem activamente.

Padre Correia da Cunha falou de seguida com palavras claras e vigorosas:

“Todos quantos temos fé, e estamos com o Senhor, devemos viver em caridade, amar o próximo. É preciso muita compreensão e compaixão. Se assim não for, ninguém se poderá salvar, por mais missas que ouça.
Temos de ir todos, velhos e novos, pais e filhos, para o choque da vida de todos os dias. Isso é indispensável.”

Padre Correia da Cunha queria que naquele templo, com séculos de história, habitasse uma espiritualidade rejuvenescida.


Em profundo e absoluto silêncio, seguiu-se a distribuição da Eucaristia. Houve muita gente que comungou. O conjunto musical irrompeu então com uma melodia bonita, animada, moderna que era um tributário do “jazz”. Não era o órgão, pesado, secular, mortiço; era sim uma renovada chama. Alguma coisa de novo. E todos os participantes cantavam. Nos jovens havia redobrado entusiasmo. Os mais velhos também aderiram e aqui e ali já batiam o compasso com o pé, tal como os mais jovens.

No majestoso templo, com séculos de história, uma música de 1967 foi cântico de espiritualidade rejuvenescida:







Exultemos de alegria no Senhor
Vinde, vinde reunir-vos e aproximai-vos
Vós que fostes salvos
De entre todas as nações.




Ouvi este alvoroço
Que se ergue na cidade
Escutai esse tumulto
Que nos vem lá do templo.



Um cântico de entrada e dois cânticos de meditação, um clamor crescente, cada vez mais harmonioso, atingiram o clímax no cântico final: GRAÇAS AO SENHOR!A música, todos a conheciam, da ouvirem na voz rouca, inconfundível, de Louis Amstrong – When the Saints (jazz, espirituais negros).

Os jovens, sobretudo, cantavam com uma enorme alegria, a que alguns locais já se tinham desabituado:

Graças ao Senhor
Porque Ele é bom…

Que alegrais a minha Juventude.








Cada época tem a sua fisionomia, as suas características, a sua sensibilidade. Tem também o seu ritmo vital. Padre Correia da Cunha costumava referir: que a cultura muda, a inteligência é forçada a dar atenção à sensibilidade e aos novos fenómenos, a abrir-se para novas formas de viver, criando estruturas diferentes, porque as outras se vão naturalmente quebrando pela dilatação da alma renovada que se forma no interior. Ninguém pode estar contra o seu tempo.


Quem se colocar contra ele, perde-se invariavelmente. Pode, por momentos dominar, mas apenas isso – pela força e de forma provisória. Os sinais dos tempos de que falava o Papa João XXIII acabam necessariamente por se impor.
No final da cerimónia, o ambiente era de animação, de júbilo, quase de euforia.


Brevemente voltarei abordar as experiencias levadas a cabo por Padre Correia da Cunha, para assembleias restritas, cujos resultados foram geradores de cristãos de fibra e de força no serviço aos irmãos.

Só o velho sacristão Sr. Manuel, que servia devotamente há mais de
cinquenta anos a Paróquia de São Vicente de Fora, ficava mal-humorado e expressava com toda a sua indignação: “Não compreendo nem sei o que isto representa. Dizem que é o YÉ – YÉ…”
























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