terça-feira, 2 de agosto de 2011

PE. CORREIA DA CUNHA, UM RETRATO (VIII)

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Devemos manter o coração aberto, para os outros … experiências de felicidade!




Iremos hoje encerrar o breve retrato sobre Padre José Correia da Cunha, que apresentámos ao longo de oito publicações.

É com a sua alma de poeta que atesta, num dos seus subtis estilos, finuras e compreensões fadistas.

É através da arte das quadras que ele aproveitou para descrever e modelar a sua imagem.



Não sei,
não sabe ninguém,
porque ando ensonado
todas as manhãs…

E neste tormento,
a cada momento
eu sinto que as tripas
cá dentro se mexem
c’os copos que bebo…


Foi DEUS que me fez assim,
Pequeno e roufenho
fadista e poeta,
e avesso à dieta…


Foi DEUS,
Que me pôs no peito,
a chama da graça
que me limpa e salva,
desta “desgraça”…






















As homilias berradas,
as reuniões adiadas,
as belas sardinhadas, ai!
Qualquer dia, dou em doido…!
Não sei
não sabe ninguém,
que hei-de fazer
P’ra me esconder
de toda esta gente…
E neste lamento,
a cada momento,
eu vou prevenindo
que lá estarei,
se o Papa vier…
Foi DEUS que me pôs aqui
na Feira da Ladra.
Nesta bela Alfama
que tanto me agrada…
Foi DEUS
Que me mandou p’ra aqui
p'ra servir e rezar,
p’ra ser o prior
de S. Vicente.
Do Patriarcado à Marinha
Da Marinha a S.Vicente
de S.Vicente p’ra onde ai!
Quem me dera ir p’ro Céu…





Padre Correia da Cunha
1967

O Padre José Correia da Cunha, nestas quadras, descreve o seu auto-retrato. Neste escrito deixa ouvir a sua voz numa imensa esperança em Deus e no seu Reino.


Não houve da nossa parte a pretensão de sermos os biógrafos desta singular figura da Igreja Diocesana de Lisboa, mas apenas o intuito de revelar testemunhos insuspeitos e sérios, assim como restabelecer a verdade sobre a sua vida sacerdotal. A caridade, acção social e a alma bairrista foram algumas das muitas dimensões que estiveram presentes no seu ministério venerável.


Padre Correia da Cunha tinha sempre uma palavra amiga, um conselho numa atitude de contribuir para a felicidade dos muitos jovens, e não só, que o rodeavam nas actividades paroquiais.



Cremos que este retrato possa contribuir para revelar um homem aberto, um grande parceiro das farras, que reconhecia os seus erros e que não fugia de praticar as suas “loucas” paixões.





Quem conheceu Padre Correia Cunha, bem sabia que não gostava de ser adornado com títulos ou reverências, preferia ser reconhecido pelo seu absoluto segredo, que só era revelado a quem privava com ele no dia-a-dia. Era puro e simples, revelando um total desprendimento das honrarias e dos bens terrenos.


Provirá da sua profunda sabedoria e prudência, a sua serenidade e lucidez que sempre o ajudavam a ultrapassar as várias dificuldades surgidas ao longo da sua vida de Cristão, Padre e Homem.


O 25 de Abril de 1974 foi um processo acolhido com entusiasmo pelo Padre Correia da Cunha, sendo considerado necessário para o desenvolvimento e respeito pelo pluralismo na construção de uma sociedade mais saudável, dinâmica e fraterna.

O seu espírito de luta pela liberdade fazia que contribuísse para roturas e mudanças necessárias nas políticas do país. Era sempre o primeiro subscritor das Petições pela Liberdade de todos os presos políticos e empenhava-se com toda a sua garra na sua defesa.

Mas nos anos do PREC, Padre Correia da Cunha só aludia ao advento de uma “baixa política” que se manifestava na impreparação dos militares e na ambição de alguns novos políticos, que só desejam o poder e o domínio da Nação.




Sem sentido de serviço, impõem novas tábuas, transvalorando todos os valores. Era o nascimento de uma enorme e grande tragédia. Sempre lhe ouvia, a Nova Era não redimirá, não aperfeiçoará o Homem, não o elevará moralmente, não o fará excepcional ou extraordinário; apenas deixará aflorar a sua natureza egoísta, esquecida pela embriaguez das utopias e das quimeras.



Viver uma vida sem rumo era para Padre Correia da Cunha desolador. Interiorizou que não íamos a parte alguma sem melhorarmos o Homem, transformando-se num céptico e compulsivo pessimista dos rumos da Revolução.



Nesta altura, começa-se a aperceber que o seu “navio” abrigara toda espécie de estranhezas. E todos os perigos que nele ocultava, o maior deles consistiam na falsificação de pensamento. Sentiu-se dispensado do convívio diário de muitos “fiéis e leais” amigos: uns que partiram deixando a pátria, outros que buscaram caminhos antagónicos com os valores cristãos e muitos, como ele, que se recolheram na solidão e na coragem para cumpri-la.





Entregue ao isolamento nos seus reduzidos aposentos (quarto dos coadjutores), na sua vida solitária, quase de recolhimento, só os bons livros lhe davam alegrias. Padre Correia da Cunha lia muito, sem parar, o dia inteiro, a noite inteira. O seu mundo era os livros. A imensa correspondência que habitualmente recebia surge em ínfima quantidade.



É sobre a sua secretária de trabalho que toma o seu frugal jantar, sobre o olhar atento de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, oferta do seu amigo do coração João Perestrello (PE).
Esse jantar, de dura dieta, manda adquiri-lo na Casa de Pasto do seu amigo Augusto Salgado e Glória, na Feira da Ladra.



Cada dia que passa é para todos nós mais claro que o mundo actual está carente de pessoas como Padre Correia da Cunha. A sua arraigada Fé na Providência Divina e na Humanidade, a sua presença de espírito assim como a sua disposição para a vida repleta de felicidade são, ainda hoje, fundamentais.








Foi um enorme privilégio para muitos de nós termos tido a oportunidade de conhecer os seus ensinamentos e partilhado da sua colossal sabedoria. Acabam por serem poucos os que conviveram e o conheceram quando começou a sentir-se ameaçado pela dor, pelo sofrimento, pela solidão e pela doença que o debilitava mais e mais, a cada dia que passava. Mas ele soube lidar com essas impotências que encontrou nos últimos anos da sua vida.


Ele sabia que estava a morrer. A cada dia estava mais próximo do encontro com o Pai Celeste.
O melhor método que encontrou para contemplar esses tempos difíceis foi vivê-los de uma forma consciente, compassiva e amorosa.

Não podemos esquecer estas derradeiras lições de vida de Padre Correia da Cunha:



-Parar para pensar naquilo que somos e no que deveríamos ser como cristãos e filhos do mesmo Pai.

-Praticar a solidariedade e a integralidade como uma constância de vida de bondade e honestidade.

A sua coragem e disposição de arrependimento foram tão grandes que nos chegavam a emocionar e a interrogar.

Recordo a título de exemplo um breve acontecimento.

Como todos sabemos, Padre Correia da Cunha nunca teve afeição pelas “velhas beatas” que permanentemente azucrinavam o seu espírito, chegando mesmo a escorraçá-las do templo em grandes berrarias:

“- Suas bruxas, vão para casa cozer as meias ou esfregar o chão!”

No final da sua vida cheguei a ouvir-lhe esta sentida reflexão:

“- São estas Santas Mulheres (outrora velhas beatas) que ainda vão segurando o Mundo da ira de Deus. Estão a rezar pela Humanidade e pedindo a Deus que perdoe este pobre sacerdote e assim o permita admirar o seu Reino.”



Na noite anterior (1 de Abril de 1977) ainda dirigiu os trabalhos do Conselho Paroquial, onde no final expressou um agradecimento renovado e muito sentido aos seus cooperadores nas actividades pastorais da amada Paróquia.


Nos vários “testamentos”, que redigia nos difíceis momentos em que tinha de ser submetido a intervenções cirúrgicas, uma coisa tenho a certeza que constava: “Estou pronto para a morte, como cristão, e como o mais pecador dos sacerdotes. Peço perdão a DEUS e a todos pelo que não fiz e deveria ter feito em prol do Serviço à Igreja e aos meus Irmãos em Cristo. Deixo chama, que espero que possa continuar a iluminar os caminhos em busca da verdadeira felicidade humana. Devemos manter o coração aberto para os outros.”








Foram os seus paroquianos e amigos que mais sentiram, naquela manhã de 2 de Abril de 1977, a perda deste grande homem de cultura, mestre, sacerdote e marujo, que todos ambicionavam escutar e do qual esperavam receber uma palavra de fraterna amizade.

A terminar, saliento que apenas aqui referimos uma pequena parte da enorme história de Padre Correia da Cunha, por desconhecimento e certamente por esquecimento. Seria interessante poder actualizar este breve texto pelo que se agradece todas as informações, de modo a poder melhorar este estudo sobre este grande homem, que viveu num entrega genuína ao seu respeitado Seminário dos Olivais, dilecto Patriarcado de Lisboa, honrosa Marinha Portuguesa, Exército Português (OGFE) e à sua querida e amada Paróquia de São Vicente de Fora.
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3 comentários:

  1. São Salgado11.4.12

    Muito obrigada pelas suas palavras dedicadas a este Santo Homen, que saudades que tenho dele, obrigado também por ter falado nos meus pais, Auguto e Glória Salgado, muitas vezes lhe preparei o almoço, quando estava a ajudar os meu pais na casa de pasto e o padre Cunha aparecia ia ter comigo e dizia -"hoje és tu que me vais fazer o meu bitoque", era um prato que gostava muito, bitoque com ovo a cavalo. Passados estes anos todos continuo a recordá-lo com tanto carinho e saudades, que saudades que eu tenho dele.Mais uma vez obrigada por este seu trabalho e por ter partilhado comigo.São Salgado

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  2. Muito obrigada por este magnifico trabalho dedicado a este Santo Homem, que foi também um grande amigo, como o recordo com tanto carinho, que saudades, que saudades que eu tenho dele, obrigada por ter partilhado comigo e obrigada também por ter recordado os meus pais, Augusto e Glória Salgado. Meu querido Padre Cunha continua a olhar por nós... Conceição Fernandes Salgado

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    1. Quero agradecer as palavras que escrevestes sobre este Santo Homem. Que tivemos o previlégio de o ter como prior. Pe. Correia da Cunha muito nos ensinou da sua extasiante sabedoria humanista.

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