sábado, 23 de junho de 2012

PADRE CORREIA DA CUNHA E A MÚSICA ORGANÍSTICA

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“O ÓRGÃO É UM DOS MAIS
PERFEITOS INSTRUMENTOS DA BOA
MÚSICA…” PCC





Os anos sessenta foram momentos gravados a ouro na vida do majestoso órgão ibérico da Igreja Paroquial de São Vicente de Fora em Lisboa.

Nesse tempo, a Igreja de São Vicente de Fora era visitada por uma plêiade ímpar na arte da música organística.Destaco: Tagliavini, Gerard Johns, Francis Chapelet , Michel Chapuis, Pierre Cochereau, Michael Kearns, Gertrud Mersiovsky, António Duarte Silva, Gerhard Doderer…Na opinião destas celebridades da especialidade, o órgão do templo Vicentino de Lisboa era considerado um dos melhores da Europa.


O Padre Correia da Cunha a todos acolhia de braços abertos. No ano de 1969, mergulhou num projecto ambicioso que visava a criação de uma Liga dos Amigos da Música Coral e Organística.

Com esta sua iniciativa, propunha-se  contratar um organista privativo e exclusivamente dedicado ao serviço deste esplêndido órgão, com a obrigação de formar e dirigir um Grupo Coral, e assegurar a boa conservação e funcionamento do órgão mediante avença com um organeiro afinador competente.

O pároco de São Vicente de Fora com esta diligência procurava os meios financeiros necessários para a criação da Liga, nomeadamente através de uma grande campanha que levou a cabo para conseguir sócios fundadores que pagariam uma quota mensal.








Esta sua iniciativa partia do facto de existir naquele templo um dos melhores órgãos antigos, em bom estado de conservação e funcionamento, e a possibilidade de recrutar na paróquia os elementos necessários para formar um bom Grupo Coral. O Padre Correia da Cunha, desde que chegou a  São Vicente de Fora, nunca desistiu de contribuir para a formação cultural da Juventude da sua paróquia, localizada num dos pobres bairros lisboeta.
A Liga também teria em princípio competência para promover concertos mensais com os mais prestigiados artistas.

Este seu projecto teve uma imensa adesão e apoio dos muitos amigos da boa música e correspondia a uma mudança muito significativa do cântico e música organística. O Padre Correia da Cunha contribuiria assim, mesmo de forma inconsciente, para a consubstanciação da ascensão da formação cultural da desafortunada adolescência e juventude de uma das mais pobres paróquias do Patriarcado de Lisboa.

Desconheço o que sentiu com a traição deste seu sonho que alimentara por um longo tempo. Mas a eterna caducidade dos que apenas privilegiam o transitório e se rendem à felicidade dos bens materiais, mascara uma realidade vil.




Esteve em Lisboa, entre 6 e 21 de Junho, Robert Descombes que o saudoso Padre Correia da Cunha considerava o organista itinerante de São Vicente de Fora.

Em Abril de 1968, acompanhou o seu amigo Prof. Francis Chapelet, exímio continuador da Escola Organística de César Franck de Paris, que vinha a Lisboa para realizar um concerto de órgão em São Vicente de Fora para a Rádio Televisão Portuguesa (RTP). Após a descoberta do maravilhoso órgão ibérico, Descombes vinha todos os anos para tocar no mais bem conservado e famoso instrumento setecentista. O órgão de São Vicente de Fora, pela riqueza da sua registação e pela requintada qualidade de seus trimbes, é incontestavelmente um dos mais adequados à música organistica dos séculos XVII e XVIII.


Robert Descombes, titular e conservador do órgão d’Orgelet, regressou a Lisboa no ano 2010, para retomar a um tempo passado que lhe produzira reminiscências de muitos agradáveis momentos de quando tocava esse órgão ibérico português, durante os anos de 1968 até 1976. Foi arrebatado o seu sonho por se encontrar encerrada a igreja por motivo de obras de restauro.

Com as devidas autorizações, este ano, Robert Descombes pôde desferir as primeiras notas naquele seu conhecido e majestoso órgão, tendo tido a sensação que o imponente templo sacudiu. Foi para si, uma enorme manifestação de alegria que lhe provocou uma explosão de lágrimas nos olhos, tal eram as saudades de tocar as teclas daquele seu dilecto órgão. Senti que um instrumento musical pode gerar um leque de emoções humanas.
Movido pela saudade e estimulado pelos odores daqueles espaços, foi sentida a presença espiritual do grande e saudoso amigo: Padre José Correia da Cunha. Tamanha é a nostalgia que ele deixou!!!

A música actua de diversas maneiras: Umas vezes pelos sentimentos que traduz cuja impressão se grava na alma dos que a escutam, outras vezes pela influencia comemorativa que nos associa a um tempo passado de tão gratas recordações…

Permitam-me, Pe. Dr. Ricardo Ferreira, Reitor da Igreja do Mosteiro  e Arq. João Vaz, organista titular do Órgão de São Vicente de Fora, agradecer-vos a gentileza por terem contribuído para este excelente momento cultural que os apreciadores de boa musica tiveram a oportunidade de escutar no ambiente mais adequado que é sem dúvida a grandiosa igreja do Santo Patrono desta amada Lisboa.






Recordo que no tempo do Padre Correia da Cunha o templo era exíguo, pelo o aumento sempre crescente dos amantes da boa música de órgão nos concertos que ele fomentava. Como referia, a música deve ser expandida por todas as classes sociais e fundamentalmente pelos jovens como uma base da verdadeira educação…








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domingo, 10 de junho de 2012

PE. CORREIA DA CUNHA, SANTO ANTÓNIO, SÃO JOÃO E SÃO PEDRO

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“ LISBOA COM O SEU ENCANTO, AFINAL, É UMA SAUDADE…”


Aí vem os Santos Populares! Para o Padre Correia da Cunha, o mês de Junho era o da Lisboa galanteadora, das noites de claras luas, em que apetecia deitar só ao romper da manhã, depois de encher os olhos de luar, comer umas boas sardinhadas e beber uns bons copos pelos tradicionais arraiais da sua linda Lisboa. Um bom vinho era para ele “o néctar dos Deuses” que lhe enchia o coração de poesia. As noites de Santos Populares faziam cantar o povo, criando uma Lisboa nova, cheia de frescor, de graça, alegria e de um fraternal espírito, para além de matar a sede de amor das almas apaixonadas.

Quem não se recorda de nos bairros antigos os putos armarem tronos modestos de sabor ingénuo, onde Santo António sorria, entre jarrinhas de flores e de castiçais baratos com velas de estearina…


Também essa devoção aos Santos Populares estava bem viva no coração do Padre Correia da Cunha. Para incentivar as homenagens litúrgicas dos festejos populares, cedia imagens, candelabros e outros artefactos, a título de empréstimo, para as várias colectividades do bairro, para que estas manifestações de gosto estético e arte popular não se perdessem no génio alfacinha.

Não concebia estes festejos populares sem o arraial da Paróquia de São Vicente de Fora, na cerca fernandina. O espaço era adornado de flâmulas, balões, grinaldas, fogueiras alegres e crepitantes, canções que andavam nas almas, marchas alegres, braços que se enleiam em danças populares, e beijos que andavam nas bocas dos jovens entre sorrisos e palavras murmuradas baixinho; saias que rodavam e giravam como grandes papoilas a abrir; odores de rosmaninho e manjericos, alcachofras queimadas a reflorir para as certezas do amor.


Tudo envolvia aquela Lisboa tradicionalista e pitoresca, que deixava a sua aristocracia, elegante e aprumada, para ser todo um grande coração bairrista. A raça de marinheiro do Padre Correia da Cunha e homem de fé fazia que proporcionasse esta imensa alegria aos seus paroquianos e enchesse os seus corações de fantasia durante as longas noites de Junho. Bastavam os restantes meses para que as suas almas fossem encharcadas de um quotidiano de dura vida.

Lisboa, como hoje, vinha toda para a rua, as almas saltam nos olhos, na alegria pura que enchia toda a cidade. Os manjericos e os cravos vermelhos de papel espreitavam em cada janela dos típicos bairros.

Santo António - que habitara os espaços de São Vicente de Fora, à semelhança do Padre Correia da Cunha, era o jovem bonitão, casamenteiro. Uma ingénua crença popular transformou-o num impertinente santinho que partia as bilhas às moças namoradeiras…

São João - aquele que surge com o cordeirinho branco ao colo, de face tranquila e a quem o povo atribuiu o milagre das alcachofras refloridas…

São Pedro - o santo venerado de longas barbas brancas, porteiro do Céu, trazendo as grandes chaves à cintura e que fecha o ciclo das festas populares. 


Três símbolos, três ídolos da cidade de Lisboa que continuam a ser celebrados, a cada ano, pelas ruas e ruelas de Alfama, Madragoa, Mouraria, Graça, Castelo e São Vicente de Fora… Como referia o Padre Correia da Cunha, por todos os bairros tradicionalistas, onde um coração alfacinha houvesse, como o seu, palpitava o sonho e a poesia.

São os Santos Populares que oferecem o perfume eterno desta Lisboa de Junho. O Padre Correia da Cunha amava esta linda Lisboa que trazia, ardentemente no coração, infiltrada no seu sangue de grande alfacinha.







Da proa da sua casa, no Mosteiro de São Vicente de Fora, a sua alma ficava suspensa no olhar sobre o convés dos becos e vielas dos antigos bairros engalanados, perdendo-se na graça das colinas irisadas pelo sol claro, o mais puro e luminoso do Mundo.

O Padre Correia da Cunha era um frequentador das tascas e casas de fado, pois era ali que sentia a vida do povo e onde os corações se confundiam e irmanavam num bairrismo secular e ardente. São estas tradições que vêm de longe, enchendo de estranha nostalgia os becos da nossa cidade antiga; uma nostalgia que não é triste, antes suavemente bela.


Como o Padre Correia da Cunha lembrava, Jesus tinha uma especial preferência pelos pecadores. E era verdade. São da sua lavra estas palavras: “Não são os que gozam de boa saúde que precisam de médico, mas os doentes”. As rixas de amor com a sua intervenção acabavam sempre num beijo e num perdão, e onde a dolência das velhas e poéticas gritarias, são a lembrança viva da mourama sonhadora, que dançava a cantar ao som das guitarras sobre a luz prateada do nosso puro luar.





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sexta-feira, 1 de junho de 2012

PE. CORREIA DA CUNHA E O COADJUTOR ORTODOXO

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“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós!”
Antoine de Saint-Exupéry










Com seis anos de idade, comecei a frequentar a Catequese na Igreja Paroquial de São Vicente de Fora. Gostava de aprender. Achava o ensino da Doutrina Cristã fascinante.


Nos inícios das minhas andanças pelos enormes claustros do secular Mosteiro, aconteceu algo que marcou profundamente a minha vida: o encontro com um homem muito alto e de majestosa aparência, com uma face doce. O seu cabelo claro, num rosto altivo e sereno, boca e nariz perfeitos; a barba não muito abundante da cor do cabelo e os olhos de cor azul clara inspiravam respeito e amor.


Esta é a descrição que encontro para traçar a singular figura do Revdº Josep Mitchel, coadjutor à época do Padre José Correia da Cunha.


Este Arquimandista da Igreja Ortodoxa despertou em mim uma forte ansiedade e deslumbramento, pois ele representava a imagem fiel da figura de Jesus que o meu catecismo registava.


Respirava bondade, humildade e possuía um ar bonacheirão… Mais tarde, vim a descobrir que o seu desígnio era servir o altar e os irmãos. Servir no mais alto sentido da expressão. O regresso às fontes da simplicidade era um desejo forte e uma forma de construir à sua volta, e de todos os homens, um ambiente de amor fraterno e de paz, independente de serem cristãos, agnósticos, católicos, ortodoxos ou não.


O seu amável sorriso, a sua ampla tolerância e o seu encantador espírito exerciam sobre as pequenas crianças uma magnética atracção.

Sabíamos que à semelhança do Padre Correia da Cunha, que o acolhera na sua paróquia, não escolhia os amigos pela fieira das suas crenças. Os homens autênticos são aqueles que se deixam mover pela sinceridade, honestidade e sabem construir o binómio de uma vida plenamente vivida sobre o signo da liberdade e da fraterna convivência.


Lembro-me de o Revdº Josep Mitchel acolher em São Vicente de Fora imensos grupos de amigos das mais longínquas proveniências e diferenças confessionais: baptistas, anglicanos, luteranos, budistas, muçulmanos…

Para além de ser um poliglota, falando correctamente mais de dez línguas, celebrava a Eucaristia nos mais diversos ritos: Litúrgicos latinos e litúrgicos orientais e o mais universal dos ritos a celebração da missa tridentina (latim).


As suas palavras de bondade eram dirigidas para todos sem distinção assim como a sua bênção de paz e compreensão.

O Revdº Josep Michel encontrava-se em Lisboa a estudar na Escola Superior de Medicina Veterinária, onde concluíra o seu doutoramento.

Tinha uma vida austera, mas sempre tinha uma pequena guloseima ou um chocolate para dar às crianças que o procuravam. Notava-se que tinha imensa alegria em dar às crianças esses singelos presentes. Vivia com um total desprendimento dos bens materiais deste mundo. O seu coração era verdadeiramente livre, abria-o de par em par a todos os que iam ao seu encontro.

Creio que só o Padre Correia da Cunha poderia acolher este grande ser humano pelo respeito que lhe merecia e a dignidade do seu irmão. Uma comunidade cristã tem em Jesus Cristo o identificador. É Ele quem une todos num só corpo. O Padre Correia da Cunha cultivava o espírito do ecumenismo e era no amor que praticava a humildade e a abertura para o diferente.


(Foto: Padre Correia da Cunha, Rev. Josép Mitchel, Pe. José Maria de Freitas e João Perestrello, Pe.)





Estes dois homens tinham um desejo sincero e comum: a Paz entre todas as comunidades cristãs, assim como a sede da verdadeira liberdade, o respeito por todas as práticas religiosas e uma dedicação pelos humildes que procuravam a substância viva da sua consciência.



Partilhavam as mesmas raízes do cristianismo, dos mártires e resistentes das catacumbas, e tudo quanto desejavam, como já referi, era unir os homens de boa vontade à volta da mesa comum da fraternidade.



Durante os longos anos que esteve ao serviço da Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora, o Revdº Josep Mitchel honrou a si próprio prestigiou a Igreja que serviu e deixou uma vasta legião de discípulos que nunca o irão esquecer.



Com a sua partida, todos ficámos mais pobres, mas o seu exemplo de vida cristã frutificou em muitos jovens, que ainda hoje o recordam com profunda saudade, admiração e respeito.



Lamento que não conheça mais da sua biografia. As últimas notícias sobre este Arquimandista foram transmitidas por António Melo e Faro, aquando do encontro com ele, nos anos noventa, na cidade de Londres, onde desempenhava funções de membro da Reitoria da Universidade de Oxford.



Ficaria radiante se recebesse notícias deste Homem Autêntico, que hoje aqui quis recordar e que serviu com muita dignidade, humildade, verdade e concórdia o povo de São Vicente de Fora.



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