terça-feira, 24 de setembro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA – 96º ANIVERSÁRIO











PE CORREIA DA CUNHA E O CORVO VICENTE


PE. JOSÉ CORREIA DA CUNHA

Mestre de Vida



24 SET.1917 – 24 SET.2013
  

“IMENSA GRATIDÃO E PROFUNDA SAUDADE”


Ainda eu não frequentava a escola primária do Campo de Santa Clara quando o Padre Correia da Cunha foi designado, no ano de 1960, pároco da Freguesia de São Vicente de Fora.

Hoje, dia 24 de Setembro, completaria 96 anos sobre o seu nascimento.

Devemos aproveitar esta data para lembrar a sua rica trajectória de vida como prior e amigo da família Paroquial de São Vicente de Fora durante dezassete anos.

O Padre Correia da Cunha foi homem da Igreja do seu tempo. Ainda hoje nos impressiona o seu grande amor a Jesus Cristo e o seu ardor apostólico ao serviço da sua amada comunidade cristã.

Conto brevemente trazer a todos vós escritos da sua autoria que reflectem bem a sua imensa riqueza e a sua enorme sensibilidade.

Os seus talentos formosíssimos, brilhantes e a magnitude dos seus conhecimentos tornaram-no estimado e respeitado para além de congregar à sua volta em espírito fraterno, todos, independentemente da sua raça, crença religiosa ou condição social. Possuía uma comunicação combativa que sabia exercer como ninguém pela palavra.

Era dotado de uma longa experiência de convívio com gente nova, não tivesse sido ele Capelão da Marinha de Guerra e efectuado imensas viagens a bordo do nosso Navio-Escola Sagres, onde lhe ficou um poder de insinuação, sempre discreta e justa. As suas qualidades: integralidade, rectidão de carácter e inteligência estavam associadas a uma elevada qualidade de trabalho. No entanto, era o seu testemunho de sacerdote e cristão que maravilhosamente tornava e reafirmava, que abria o coração daquela juventude maruja sequiosa de ideais.

Recordo que mesmo na paróquia era procurado por muita juventude de não crentes que o admiravam e muito o respeitavam. Era um formador de inteligências e nada votado a pieguices e beatices. O seu forte desejo era levar-nos pelo caminho da inteligência, do amor e da verdade ao encontro de Deus.

PE. CORREIA DA CUNHA


Passadas três décadas e meia, que nos deixou, torna-se cada vez mais claro e evidente que o Padre Correia da Cunha possuía uma estratégia bem delineada para a construção de uma verdadeira Comunidade Paroquial que assentava sobre: entregar-se de corpo e alma às tarefas do Reino de Deus e renovação da liturgia; usar os seus dotes de inteligência e prestígio social ao serviço dos mais carenciados na obtenção de apoios materiais e financeiros. Recordo aqui a excelente colaboração dos Lions Club, que a pedido do Padre Correia da Cunha, atendiam às muitas necessidades da paróquia no plano social; rodear-se de pessoas competentes e dedicadas para liderarem e dinamizarem os movimentos paroquiais.


Também revelava uma admirável intuição e capacidade de decisão e poder de realização, do que poderemos chamar um homem preparado para a renovação da nova Igreja nascida com o Concílio Vaticano II. Foi graças a si que o dinamismo renovador desse Concilio invadiu a Paróquia de São Vicente de Fora nos anos sessenta.

O Padre Correia da Cunha, pelas suas riquezas humanas, foi um sacerdote perdido no meio dos seus paroquianos em total doação, com magnífica simplicidade de quem cumpria um dever natural. Os seus paroquianos eram a família de coração. A ela dedicou grande parte da sua vida e era reconhecido por todos como um grande mestre de sabedoria cristã.

Houve magnânimos mestres que o acompanharam também durante toda a vida, o prodigioso Mons. Pereira dos Reis, que era considerado o pioneiro do movimento litúrgico em Portugal e que irradiou sobre ele a imensa paixão que possuía pelo cântico e música sacra.



PE. CORREIA DA CUNHA - LARGO SÃO VICENTE





Neste dia que o Padre Correia da Cunha celebraria 96 anos de vida, termino este escrito com uma palavra de admiração pelo pároco que serviu o seu ideal evangélico, aquecendo o coração de muitos jovens, homens e mulheres e ajudando-os aceitar os activos valores do evangelho para a transformação do Mundo.

Ainda hoje o Padre Correia da Cunha continua a congregar os amigos em volta da boa música, conforme se pôde verificar pelo concerto de homenagem póstuma realizado recentemente em São Vicente de Fora, por Robert Descombes, seu velho amigo.

Esta congregação constitui prova evidente de que um líder, só é verdadeiro, quando mobiliza e empenha todas as pessoas em torno de valores que dão sentido à vida e que sentem a igreja como sua legítima casa.  
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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA E CONCERTO DE HOMENAGEM












ORGÃO SÃO VICENTE FORA

“EXPRIMIMOS A GRATIDÃO POR ESTE
 RARO MOMENTO ESPIRITUAL, QUE NOS
 SERÁ OFERECIDO..."



É já no próximo dia 14 de Setembro, pelas 17 horas, que se realiza a segunda série de Concertos de Órgão, no âmbito da grande iniciativa levada a efeito pelo titular deste magnifico órgão: João Vaz.

Esta sua iniciativa de tão alto interesse, pois concertos desta natureza além de serem óptimos elementos de cultura artística, dá também valiosa projecção a esta velha e monumental igreja e ao seu precioso órgão.

Este próximo concerto está confiado ao organista francês ROBERT DESCOMBES, titular do Orgão d’Orgelet e grande conhecedor do órgão de São Vicente de Fora. Na sua opinião, é um dos melhores da Europa e, que após o restauro efectuado em 1994, se encontra em bom estado de conservação e excelente funcionamento.

Este concerto promete ser um acontecimento de grande interesse artístico pelas obras escolhidas:

LouisCouperin(1626-1661) – Chaconne em maior 

Francois Roberday (1624-1680) – Fugue et caprice

Louis Marchand (1669-1732) - Premier livre d’orgue (Trio, Basse de Trompette, Récit, Fond d’orgue)

Juan Cabanilles (1644-1712) – Tiento de falsas de 4º tono

Anónimo (Porugal Sec. XVII) – Obra de 1º tom sobre a Salve Regina

Fr. Diogo da Conceição (Sec. XVII) – Meio Registo de 2º tom

Girolamo Frescobaldi (1585-1643) – Partite Sopra d’Aria di Follia

Georg Bohm (1661-1733) – Christ lag Todesbanden

Johann Sebastian Bach (1685-1750) – Vater unser Himmelreich BWV737

Como sabemos, para concertos de boa música, o Padre Correia da Cunha colocava sempre a “sua” igreja à disposição. Era considerada por ele um quadro magnífico e excelente, devido à sua arquitectura (Renascentista do Século XVII) e pelo facto este Mosteiro ter exercido uma imensa influência na história da cultura e da arte, sobretudo musical portuguesa, desde o Século XII, data da sua fundação.

O Padre Correia da Cunha tinha uma verdadeira paixão pela música que lhe proporcionasse momentos de espiritual prazer.


PE. CORREIA DA CUNHA E FRANCISCO D'OREY 

Travava relações com musicólogos e organistas de projecção internacional, o que lhe permitia organizar com muita regularidade concertos de órgão na Igreja de São Vicente de Fora. Como sabemos, este magnifico espaço possui todas as condições para acolher um imenso público. De toda a cidade de Lisboa acorria muita gente para assistir e apreciar a boa música.

JOÃO VAZ 

O João Vaz é bem digno de um louvor, pelo ressurgimento desta esplendorosa iniciativa de enriquecimento cultural e de prazer. Na arte da música organística tem um papel fundamental de pedagogia cristã sem deixar de ser um génio musical de elevado sentido estético.

Recordo que o Padre Correia da Cunha referia que era pelos olhos e ouvidos que muitas pessoas apreendiam as verdades da fé cristã e deste modo quase intuitivamente se sentiam atraídas a amá-las. 

À semelhança do que era feito no tempo nosso saudoso Padre Correia da Cunha, este ano, abriram-se de novo de par em par, as portas da igreja do Mosteiro de São Vicente de Fora para concertos de órgão.

Na opinião do Padre Correia da Cunha, a música contribuía para a elevação do espírito, por isso, não se incomodava com as imensas críticas recebidas por parte de muitos párocos: pela sua ousadia e irreverência, de nos anos sessenta do passado século, abrir a igreja (local sagrado) para a realização dos mais variados concertos, naquele ambiente de beleza e de excepcional acústica.



CORO E ORQUESTRA DA GULBENKIAN -1964 

Trago à memória que o Coro de Câmara Gulbenkian se estreou a 27 de Maio de 1964, na Igreja de São Vicente de Fora, com a primeira audição em Portugal da Paixão Segundo São Mateus de Georg Philipp Telemann, acompanhado da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional dirigida por Urs Voegelin, maestro titular da Orquestra de Camara Gulbenkian.

“A escolha do espaço não foi por acaso: de facto Olga Violante conhecia bem a igreja, dotada de uma extraordinária acústica, para além de ser próxima do respectivo pároco, o Padre José Correia da Cunha, homem de elevada cultura, de quem só poderia esperar uma colaboração incondicional e activa”. (fonte: Wikipédia)

Considero-me um privilegiado de ter assistido, naquele majestoso espaço. a verdadeiros acontecimentos musicais: os dois recitais anuais dados pela Orquestra e Coro Gulbenkian; o South Carolina Choir; o Coral Polyphonia; o Coro Bach da Igreja Evangélica Alemã; a Orquestra de Câmara da EN e muitíssimos Concertos de Órgão executados pelos mais prestigiados organistas como António Duarte Silva, Michael Kearns, Gerhard Doderer, Francis Chapelet, Gertrud Mersiovsky, Michel Chapuis, Antoine Sibertin-Blanc,Jean Guillou, Pierre Cochereau…

INTERIOR DA IGREJA DE SÃO VICENTE DE FORA 

Estou certo que a escolha da igreja de São Vicente de Fora se devia por causa da fama do seu órgão, pela riqueza da sua registação e requintada qualidade dos timbres deste instrumento. Construído em 1765, por João Fontanes, é incontestavelmente um dos mais adequados à música organística do Séc. XVII, tal como referia o Padre Correia da Cunha.

O Robert Descombes frequentava a Paróquia de São Vicente de Fora nos anos sessenta, tornando-se um honrado amigo do Padre Correia da Cunha.
Para minha grande surpresa, no início do ano 2010, Robert Descombes descobre o Blogue de Homenagem ao Padre Correia da Cunha. Regressou a Lisboa nesse mesmo ano, preenchido de memórias de saudade. 

Estou seguro que este MAGNÍFICO CONCERTO é uma homenagem póstuma a Padre Correia da Cunha. Devemos aproveitar esta ocasião para nos congregarmos e recordar os bons tempos vividos em São Vicente de Fora na sua companhia. O Padre Correia da Cunha muito contribuiu para a nossa formação musical e humana com a sua admirável cultura e raros dons de inteligência.
Deixo um testemunho do Robert Descombes sobre o seu saudoso amigo que mantém bem vivo nas suas memórias.


Estão convidados todos os amigos de São Vicente de Fora.

Até dia 14 de Setembro!


SÃO VICENTE DE FORA – 14 SETEMBRO 2013

A majestosa Igreja de São Vicente de Fora encheu-se de público para assistir a um magnífico Concerto de Órgão em que o organista convidado, Robert Descombes, executou obras de Louis Couperin, Francois Roberday, Louis Marchand, Juan Cabanilles, Fr. Diogo da Conceição, Girolamo Frescobaldi, Georg Bohn e Johan Sebastian Bach.

Este Concerto foi uma Homenagem à memória de Padre Correia da Cunha, cuja acção a Música Organística ficou a dever naquele magnifico templo renascentista lisboeta nos meados do século passado.

O Concerto foi confiado ao seu admirável amigo Robert Descombes. Este organista francês que desde 1968 até 1976, estudou o órgão de São Vicente de Fora, tornou-se um profundo conhecedor e um exímio especialista do órgão ibérico e da música barroca portuguesa. 

Robert Descombes era acolhido todos os anos, pelo Padre Correia da Cunha, na Paróquia de São Vicente de Fora. 
Muitos dos amigos do Padre Correia da Cunha apreciadores da boa música, tiveram ocasião de escutar, no ambiente mais adequado, aquele que é considerado um dos órgãos portugueses antigos: o mais belo instrumento da Europa. 

Um concerto desta natureza é sem dúvida um óptimo elemento de verdadeira cultura artística para os amantes da boa música e uma brilhante homenagem póstuma a Padre Correia da Cunha. Para todos os seus amigos ali presentes existiu a sua presença, a qual nunca deixou de estar presente em todos os momentos destas pessoas.

Dado o alto nível do concertista, a categoria do programa e a qualidade do órgão, este concerto ficará, sem dúvida, como um autêntico marco musical no nosso meio artístico.

Exprimo a minha imensa gratidão pela presença de tantos amigos do Padre Correia da Cunha, que deram um maior brilho ao excepcional concerto, disfrutando de um programa de música admirável e inspirado que tanto contribuiu para um áureo e raro momento de prazer espiritual.

Um grande bem-haja a todos!







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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

PE. CORREIA DA CUNHA – LUZ DA PARÓQUIA














‘’ FAZEI SENHOR, QUE O NOSSO
PÁROCO
 SAIBA DAR-NOS SEMPRE, O PÃO DA
 VIDA! ‘’
Pe. Correia da Cunha






Foi no dia 10 de Outubro do ano de 1960, que o Padre Correia da Cunha transpôs o portão do Paço Episcopal do Campo de Santana. Leve, elegante subiu a escadaria e, fez-se anunciar ao Cardeal Patriarca D. Manuel (II) Gonçalves Cerejeira. Este já contava com setenta e dois anos de idade tendo os cabelos nevados, rosto oval, olhar penetrante em perfeito contraste, de pulso firme, humano e alma generosa recebeu este seu amigo e protegido presbítero, com um caloroso e fraterno abraço.

Mandou-o sentar na cadeira que se encontrava frente à sua mesa de trabalho. À vontade. 

- Lembrei-me do meu leal amigo que muito admiro, ao desejar prover a Paróquia de São Vicente de Fora de um pároco, vaga desde o falecimento do Monsenhor Francisco Esteves.

A paróquia é pobre mas prima por ser dócil e ter obsequiosa gente honrada. Por isso mesmo, prefiro saber o teu ânimo para esta nova arrojada missão pastoral.

O Padre Correia da Cunha não pestanejou, não reflectiu um só momento:


- Aceito, Sr. Cardeal. Agradeço a confiança e manifesto a renovada vontade em servir a Comunidade Cristã.


Recomendo-te que com as nobres virtudes adquiridas no serviço da nossa brilhante Armada, ao longo destes 17 anos, no plano da diplomacia, iniciativa e criatividade, qualidades relevantes para te ajudarem na mobilização e renovação da paróquia e na recondução das almas no caminho da salvação divina. Se houver dificuldades, sabes bem onde estou e podes sempre contar com a minha sincera amizade. DEUS te abençoe.

Ao saber-se da notícia choveram vivas ao novo pároco por parte de alguns cristãos da Paróquia. A comunidade encontrava-se dividida, havia muitas “ovelhas” que desejavam ardentemente serem guiadas pelo coadjutor Padre José Feliciano Rocha Alcobia (1), assegurando-se assim a continuidade dos mais razoáveis costumes. Mas a escolha do Cardeal Patriarca defraudou essas expectativas.






Foi o dia 1 de Novembro, dia de Todos-os-Santos, escolhido para a tomada de posse. A igreja estava repleta de fiéis que se acotovelavam para poderem assistir à primeira Eucaristia celebrada pelo Padre Correia da Cunha na qualidade de pastor.


Na homilia aproveitou para apresentar o programa de actividades pastorais, que assentavam na educação cristã: uma catequese renovada, uma actualizada caridade, activando-se as Conferencias de São Vicente de Paulo e uma Liturgia dinâmica com a participação de jovens acólitos nas celebrações, assim como a formação musical e coral para actualização do coro paroquial…









Recordou o carismático Mons. Francisco Esteves (1871-1959) que tanto dera aquela Paróquia com o seu imenso trabalho pedagógico, catequético , na formação moral e cívica dos seus paroquianos. Mas nos últimos anos já não conhecia a paróquia. Era a doença.


O Padre Correia da Cunha como referia, não vinha para dormir na forma, mas para labutar no que estivesse ao seu alcance, contribuindo para o restauro e conservação daquele imenso monstro adormecido. Como era sabido o templo e o mosteiro encontravam-se votados a um abandono total. Era imperioso cuidar-se das coberturas com colocação de telhas novas e ao concerto de todas as janelas que apresentavam as vidraças quebradas. 


A água da chuva entrava a jorros e infiltrava-se na estrutura do edifício e por todos aqueles longos corredores, os tectos ameaçavam ruína iminente, tudo isto acontece após a deslocação do Liceu Nacional Gil Vicente para as suas novas instalações na cerca do Mosteiro.








Todo o interior do majestoso templo renascentista era de grande pobreza, necessitava de uma lufada de ar fresco na ornamentação: sobriedade, discrição, simplicidade e equilíbrio. Tudo o que está no templo e em redor dos altares deve ser vivo e não morto. Também era necessário proporcionar conforto aos participantes das celebrações de culto, com a colocação de novos bancos corridos, em substituição da meia dúzia de bancos grosseiros com cheiro a velho, uma instalação sonora, uma instalação eléctrica e uma iluminação condigna para tão riquíssimo património artístico.


As verbas no Ministério das Obras Publicas eram escassas. A sua obstinada actuação junto das autoridades constituídas, inclusive com entrevistas com o Presidente do Conselho, Prof. Oliveira Salazar, com o objectivo de conseguir que a Direcção dos Edifícios e Monumentos Nacionais garantisse a realização destes imperativos benefícios, por forma a salvaguardar este tão importante património nacional.



Não restam dúvidas que o Padre Correia da Cunha assumia com inquebrantável afinco na defesa deste tesouro que poderia perder-se irremediavelmente, sem as urgentes intervenções (coberturas e reparação das janelas).


Na sua presença nos mais diversos actos oficiais, aproveitava sempre, para falar sobre este magnífico monumento e trouxe muitos dos seus contactos pessoais a visitá-lo. Na foto podemos recordar uma dessas visitas com o seu amigo: Almirante Américo Tomás – Presidente da Republica.







A pouco e pouco, nos gavetões da preciosíssima sacristia surgiam novos paramentos, novas alfaias, amitos, alvas, cíngulos, toalhas corporais de linho, casulas, capas de asperges e restaurados todos os cálices, turíbulos, píxides de prata do séc. XVII e XVIII… 



Para o Padre Correia da Cunha era necessária uma evangelização renovada assim como uma liturgia mais dinâmica. Uma maior participação dos leigos na vida da Igreja. Assim surgiram imensos acólitos e meninos do coro com as suas túnicas brancas e cíngulos vermelhos em honra do mártir São Vicente. Gerou aulas de catequese com catequistas formados e também catequese para adultos. Foram numerosos os paroquianos que se comprometeram na renovação das Conferencias de São Vicente de Paulo no intuito de servirem os irmãos mais necessitados pelo dom da caridade.


Muitos dias se gastaram a consertar e conservar o imenso arquivo fotográfico herdado do seu antecessor, notável amante da fotografia. Este espólio encontrava-se disperso e tresandar de bafio, era considerado pelo Padre Correia da Cunha de um valiosíssimo interesse histórico para a Paróquia e para a Igreja Diocesana.








O Padre Correia da Cunha haveria de desenvolver uma enorme “guerra” com as beatas. A igreja era um mostruário de flores de papel amarelento, mal cheirosas e cheias de poeira, placas de mármore de gratidão pelas graças alcançadas, quadros postos a esmo, aos montões, que ficavam muito a dever à beleza e que o novo prior considerava como inutilidades espalhafatosas. Por sua ordem tudo isto foi arrancado dos altares deixando muitas das zeladoras furiosas. Muitas destas voluntárias servidoras tinham vivido toda a vida para a Santa Madre Igreja, cuidando diariamente dos seus altares, como dignas representantes e senhorias vitalícias dos mesmos, deixaram de frequentar a Paróquia de São Vicente de Fora e as que ficaram chegaram manifestar-lhe pessoalmente o seu desapontamento:


- “O Sr. Padre Cunha tem de andar direitinho e fazer o que nós mandamos ou está mal da sua vida. O nosso querido e saudoso Mons. Francisco Esteves, que Deus lhe fale na alma, nunca dava um passo sem nos consultar. O Senhor risca para aqui risca para ali, sem nos ouvir nem consultar. Espere-lhe pela volta”.


O Padre Correia da Cunha estava muito seguro da sua profunda amizade com o Senhor Cardeal Patriarca. Mas era voz corrente que as zeladoras iriam enviar uma carta ao Patriarcado, dando conta que o safado do Padre Correia da Cunha não gramava as beatas. Que desgastamos as lajes da igreja e a fama do próximo. Dentro do templo, erguemos as mãos ao CÉU, mas longo que chegamos ao adro das escadarias começavam as línguas afiadas.








Era também na Capela de Santo António situada no lado direito do cruzeiro que as beatas fingidas se reuniam para armar os mais variados enredos contra o Padre Correia da Cunha, visando torná-lo num pau mandado das prestimosas zeladoras e das regentes das várias associações de religiosidade bafientas que granjeavam beatas falsas, nulidades ambulantes minando a acção do pároco. Era difícil aceitar as mudanças que se estavam operar na paróquia. 



O Padre Correia da Cunha sabia que era precisa muita paciência, muita paciência e bem desejava que ocorresse um milagre para que não ficassem excluídas da vida paroquial e aceitassem pelo Amor a Deus serem mais prudentes e mais leais, reconhecendo o zelo apostólico do pároco. Não o incomodavam as deserdações destas pessoas do apostolado. Estava empenhado e tudo fazia para trazer para a Comunidade Paroquial cristãos íntegros que transbordassem aleluias sedutoras. Pois, não via qualquer possibilidade de ocorrer um milagre que fizesse mudar o comportamento a estas apostolas.



Era naquela capela que se orientavam as intrigas discretamente urdidas contra o novo pároco, achincalhando-o com cenas pavorosa, nojentas das agoirentas “corujas” que ali descarregavam as pragas às mudanças na renovação espiritual da paróquia.


Efectuado o solene diagnóstico, e face aos factos, ao Padre Correia da Cunha só lhe restava uma solução; interceder junto dos contactos que tinha na Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais rogando que se procedesse ao emparedamento desta “maldita” capela que o Padre Correia da Cunha considerava ser o covil das mal falantes beatas.








Assim, nos inícios dos anos sessenta a parede e porta de acesso da Capela de Santo António (Capela do Cardeal) foram modificadas para em seu lugar se construir um gracioso nicho, onde foi colocada a imagem do Santo que se situava no lado direito do altar-mor.


Uma grande nuvem de tristeza e indignação pairou à época com o fecho da Capela do Cardeal da Motta. Foi no ano de 1740 que o Arqtº Carlos Mardel foi chamado por este eclesiástico, para executar uma capela fúnebre com os mais ricos mármores de várias cores, onde seria implantado o seu próprio túmulo.


Como sabemos o Cardeal D. João da Motta foi sepultado no Convento do Carmo em Lisboa. Só mais tarde a capela é invocada ao Santo que apenas com quinze anos abandona o lar paterno e se entrega á vida espiritual no Mosteiro de São Vicente de Fora. Santo António envergou ali o hábito de noviciado – cogula branca e murça preta. Era uma imagem de Santo António com hábito de cónego regrante de Santo Agostinho que se encontrava sobre um altar de pedraria com inscrições góticas, situado no lateral esquerdo da capela. No vestíbulo da capela em túmulo parietal estão depositados os restos mortais da mãe de Santo António. 


Toda a responsabilidade do emparedamento da capela foi atribuída ao Padre Correia da Cunha. O padre era a vítima. Várias vezes quis abordar este assunto, mas o prior fugia completamente à questão, com uma diplomacia e uma capacidade incrível, reduzindo tudo a um interminável elogio das minhas qualidades e grandezas e dali não passava. Estou seguro que aquele acontecimento não lhe era cómodo e sobretudo não gostava de alimentar velhas polémicas e intrigas de um passado tenebroso.


Chegar a uma paróquia, ver e vencer para agradar a gregos e a troianos falseando a verdade e as suas mais profundas convicções e ideais nunca passaria pela cabeça do Padre Correia da Cunha. Qualquer grandiosa obra necessita de um abnegado esforço, coragem e muita fé em DEUS. Líderes mansos não existem, quanto mais injustiça nas críticas maiores era o empenho do Padre Correia da Cunha, pois como ele referia: “ O Tempo não consegue derrubar as obras imortais”.


Nunca desistiu do seu exaustivo labor, mal compreendido por aqueles que não compreendem a força da Fé.

A igreja de São Vicente de Fora passou a ser outra, repleta de fiéis em redor do altar. Cada domingo os sinos alargavam-se de Aleluias e a atmosfera era de júbilo com centenas de cristãos empenhados nos vários movimentos paroquiais: Cruzada Eucarística, Apostolado da Oração, Catequese, Grupo de Acólitos, Vicentinos… era amostra de uma Comunidade organizada à força da fé, da paciência, persistência, método, bravura na humildade e ilimitada confiança num projecto salvífico. 


Estava transformada em grande parte a Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora.




No ano de 2005 o Patriarcado de Lisboa procedeu ao restauro dessa parte do Mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, tendo sido reaberta a Capela de Santo António, conhecida por Capela do Cardeal. O sonho que o Padre Correia da Cunha alimentara para este ressurgimento foi completamente “usurpado” pois, não o manifestando publicamente o seu pensamento era: “ Aquela peça não apresentava significativo valor arquitectónico. Mas a todo o tempo pode voltar ao seu estado original, quando se entendesse. Foi essa a regra utilizada nos trabalhos aquando do seu fecho. 



Gastaram-se vultosas verbas para a deslocalização do altar principal. Foi colocado em local oposto da origem, obrigando a que o acesso seja efectuado pelos claustros e tornando assim aquele espaço numa perfeita nulidade. A sua entrada pela igreja tornaria aquela capela num espaço privilegiado de recolhimento e oração e adequado para os actos de culto com um número reduzido de fiéis.


No Mundo tudo é relativo. Ainda não perdi esperança de ver a Capela de Santo António recolocada no seu estado primitivo e de nela se celebrar a eucaristia nos dias de semana.


Recordo hoje estes acontecimentos que tiveram origem em razões de sectarismos que não vivi, mas pelos muitos testemunhos acolhidos ao longo destes anos são concludentes. Mas o grande humanismo deste notável pároco de São Vicente de Fora foi conciliador e todos os paroquianos inclusive o grupo de beatas enfurecido lhe concedeu o seu perdão. 


O tempo foi apagando estas peripécias. O Padre Correia da Cunha ao longo dos seus dezassete anos de prior desgastou-se num árduo trabalho ao serviço dos paroquianos, tendo introduzido uma salutar lufada de inovação trazida pelo insubmisso clérigo que estava apaixonado pelo seu ministério.


Estava transformada a paróquia. O bom povo da Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora reconheceu muito neste pároco: a melhoria da situação dos pobres, dos infelizes e como por várias vezes repeti a sua preciosa colaboração para que centenas de raparigas e rapazes se preparassem para uma vida de felicidade inspirada nos princípios cristãos.


No transcurso dos anos, após a sua partida para o Reino Glorioso, muitos párocos passaram pela Comunidade Paroquial de São Vicente de Fora, mas só um sacerdote de sangue azul, conseguiu o mérito de congregar contra si, todas as ovelhas, desde os octogenários e septuagenários, dos velhos tempos do Monsenhor Francisco Esteves, os protegidos do Padre José Feliciano Alcobia que ainda hoje, fora de portas, continuam a prestar veneração ao nosso Santo Nuno de Santa Maria, patrono do extinto Patronato de Nuno Alvares Pereira, os fiéis seguidores do Padre Correia da Cunha que teimam em manter viva a memória deste magnânimo prior que era dotado de uma enorme bondade e honradez. O seu apuradíssimo gosto pelas artes e cultura tornaram-no um dos mais brilhantes e cultos clérigos da Diocese, a geração de cristãos do tempo do Padre Daniel Lopes (2) que continuam apenas usufruir graças a si, de um equipamento de grande alcance social, como é o Centro Social e Paroquial de São Vicente de Fora.


No início do Século a história repete-se. As vivas de euforia ao novo pároco pouco duraram, as ovelhas começaram a procurar novos prados atendendo que o pároco as desorientava e secretamente as considerava inimigas da Igreja. Pergunta-se: Para que serve um pastor sem rebanho? Quando se afugentam os crentes só se pode deslumbrar um designo: suprimir a paróquia. 


Um pastor que não experimente os espinhos e a “crucificação” não é digno de ser reconhecido como Sacerdote.


 

(1)-Natural de Lisboa, da paróquia de São Vicente de Fora, o padre José Feliciano Rocha Alcobia nasceu a 7 de setembro de 1934 e foi ordenado sacerdote a 15 de Agosto de 1957, pelo Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira. Entre 1957 e 1959, este sacerdote foi coadjutor nas paróquias do Barreiro, Lavradio e Palhais, e de 1959 a 1960 foi pároco interino da ‘sua’ paróquia de São Vicente de Fora. O padre Alcobia foi ainda pároco de Marvila (1976-2003) e quase pároco de Santa Beatriz da Silva (1992-1993) e de São Félix de Chelas (1993-2003), tendo chegado a Santo Isidoro e Sobral da Abelheira em 2003, onde ficou até 2012. Foi vigário da Vara de Lisboa VII e, entre 1957 e 2004, durante quase meio século, foi professor de Educação Moral e Religião Católica (EMRC).Faleceu na tarde do passado dia 10 de Fevereiro, com 81 anos.


(2) - Foi nomeado, pelo Cardeal Patriarca António Ribeiro, Pároco de São Vicente de Fora. Cargo que ocupou até 1983. Nessa paróquia ajudou a construir um centro de dia para idosos, uma vez que a comunidade local era carente neste aspecto. Depois de tanto trabalho em prol de várias comunidades, o padre Daniel Lopes acabou por deixar São Vicente de Fora. Pediu um “Ano Sabático” para descansar e regressou ao Ribatejo, que o viu nascer para o sacerdócio, onde acabou por se despedir da vida.




















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